Problemas da Literatura Brasileira

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A literatura brasileira e o mercado editorial estão respirando por aparelhos. Entre os muitos motivos, consigo identificar os seguintes:

Literatura é Supervalorizada

Parece ser um consenso entre brasileiros leitores, escritores, editores, críticos, e acadêmicos das letras, que a literatura é, em sua essência, uma forma superiora de arte e transmissão de conhecimento quando comparada a outras formas de entretenimento, como o cinema, a música, a dança, e os vídeo games, entre outros. Dos currículos escolares aos concursos literários, todos tratam o livro como uma ferramenta elevada e nobre, capaz de deixar o cérebro mais afiado, a alma mais empática, e a boca mais hábil na expressão verbal. Até mesmo estudos científicos surgem para corroborar que ler nos deixa mais inteligentes e sábios.

Essa crença é extremamente danosa à literatura de modo geral, e prejudica escritores, leitores, e editores. É também uma crença falsa de diversas maneiras, e precisa ser abandonada antes que continue a prejudicar o mercado literário do Brasil.

Em primeiro lugar, é uma crença falsa porque a literatura não é, em si, um meio especial de transmissão de informação, à não ser por suas características materiais. Qualquer coisa pode ser transmitida por meio da literatura. Algumas dessas coisas jamais deveriam ver a superfície de uma página, mas ainda assim são publicadas e influenciam milhares de leitores.

O livro é um veículo superior ao cinema, por exemplo, apenas no sentido de que sua capacidade de comprimir informação é maior, e sua produção é muito mais barata e acessível do que um filme. Afinal, um filme precisa de milhões de dólares em investimento, e times inteiros estão por trás dos figurinos, cenários, efeitos especiais, trilha sonora, etc. Enquanto o livro, para ser feito, precisa de nada além de um bom e imaginativo escritor, um velho computador e um processador de texto.

Mas, não necessariamente isso faz o livro ser um meio mais nobre de transmissão de informação. Um filme pode conter mensagens e temas profundos e importantíssimos para aumentar a sabedoria da audiência, ao mesmo tempo que um livro pode conter nada além de diarreia mental que apenas prejudica o leitor e aprofunda sua ignorância. De fato, sendo o livro um veículo tão mais barato de se produzir, há uma boa chance de que informações fúteis e prejudiciais se encontrem mais facilmente nas páginas impressas do que nos filmes projetados no cinema. Quanto mais barata for a produção da informação, mais informação inútil, falsa, ou danosa será produzida.

Em segundo lugar, são falhos e pouco científicos os estudos que dizem sobre o quanto o livro “deixa pessoas mais inteligentes.” Não conseguem definir causalidade—não sabem se os livros deixam os leitores mais inteligentes, ou se os mais inteligentes tendem a ler mais. O que veio primeiro, a inteligência ou o livro? Nenhum desses estudos consegue encontrar essa resposta.

Da mesma forma, esses estudos não levam em consideração a dificuldade em medir a inteligência; como podem dizer com certeza se seus parâmetros para julgar se alguém é mais ou menos inteligente são legítimos? Por fim, não levam em consideração o quê está sendo lido, e o quanto o conteúdo pode ou não beneficiar o leitor. Afinal, será que leitores que se ocupam com livros de teorias da conspiração, fanatismo, ódio, e informações falsas, são mesmo mais inteligentes do que pessoas iletradas que nunca tiveram contato com essas informações? Eu duvido.

A única coisa que esses estudos fazem é dar ares científicos à crença prejudicial de que a literatura é uma “alta ferramenta” de transmissão de conteúdo, em comparação com outras.

Com a supervalorização da literatura em relação aos outros meios de comunicação, o brasileiro acaba se prendendo à crença de que, para ser publicado, um livro não pode ser nada menos do que “alta literatura.” É inútil entrar nas páginas o autor que não seja o próximo Machado de Assis; e, assim, não compensa o editor escolher autores que não vivam à altura da expectativa, ou o leitor comprar livros que não correspondam com essa demanda. Dessa forma, o mercado brasileiro se restringe a uma dualidade que nunca deveria existir: ou o livro vende, ou tem prestígio—nunca os dois. Para muitos, o simples fato de um livro ter apelo ao leitor mais simplório, e vender em grandes números, basta para que os “acadêmicos” e esnobes da área o ignorem.

Ao mesmo tempo, para vender e pagar as contas, os editores precisam se reduzir aos autores que vendem facilmente, não por conterem boas histórias de entretenimento, mas porque esses autores já desistiram de qualquer ambição de prestígio, e agora fazem o livro mais banal possível, para o leitor mais simplório do mercado. Assim, o mercado de autoajuda, de charlatanismo coach, e de polarização política floresce, enquanto a literatura de ficção morre.

A supervalorização também faz com que o leitor acredite que, só porque algo foi publicado por uma editora, isso automaticamente o faz “nobre e elevado.” Assim, comparam coaches sem nada a dizer à grandes nomes da literatura, na crença de que basta ter livros em seu nome para se tornar automaticamente um intelectual.

O brasileiro precisa abandonar a crença de que livros são, por si só, “especiais.” Livros são apenas papel com letras impressas—um mero veículo, que pode conter tanto ouro quanto bosta. Só porque algo foi publicado, não significa que é bom ou nobre; só porque uma pessoa lê muito, não significa que ela é mais inteligente, empática, ou sábia do que o iletrado; só porque um livro promete entreter e distrair, não significa que ele é inferior.

A crença da “alta literatura” cria expectativas irreais em escritores, leitores, e editores. Ela pune escritores que desejam publicar histórias para mero entretenimento e diversão. Por isso, concursos literários são tão hostis aos escritores comerciais, e tanto odeiam os que fazem dinheiro com livros acéfalos, mas divertidos.

Esse fenômeno é particularmente forte no Brasil. Em comparação, literatura inglesa está acostumada com a crença de que livros comerciais e de entretenimento barato não são inferiores em nenhuma maneira aos livros supostamente nobres e elevados. Os autores considerados “pilares” da língua inglesa, como Shakespeare e Hemingway, foram altamente comerciais e populares. Shakespeare, por exemplo, escolhia narrativas que tinham alto apelo com o público, e contava histórias de reis e nobres que o povão já tinha familiaridade. Ele era, à sua maneira, o equivalente ao atual estúdio de cinema que faz reboots de franquias conhecidas como Batman e Homem Aranha a cada década, sabendo que isso vai vender.

A Língua Portuguesa É Uma Bagunça

Existem no Brasil duas línguas: o português normativo, e a língua falada no dia a dia. São línguas semelhantes, mas diferentes o suficiente para serem consideradas de difícil mixagem. Suas gramáticas são não apenas diferentes, mas incompatíveis, criando uma contradição que todo escritor precisa balancear.

A gramática normativa brasileira é uma língua artificial—uma regra imposta por um pequeno grupo de acadêmicos que acreditam ser a autoridade maior na direção que a língua portuguesa toma. Julgam que todos os que falam outra gramática ou língua no Brasil estão “falando errado”, o que é, por si só, uma contradição. Como pode um nativo falar errado a própria língua? Por definição, a língua que ele fala é a língua certa, ainda que sua gramática seja estranha à versão ancestral dessa mesma língua. Apenas estrangeiros, ainda adquirindo vocabulário ou gramática, poderiam “falar errado.”

Talvez, alguma vez no passado a língua brasileira normativa estava próxima da descritiva; mas, não mais. Agora, devemos escolher: ou escrevemos a língua que falamos, o que faz uma prosa natural e agradável; ou escrevemos a estranha língua artificial da gramática normativa, que soa “elevada”, mas, ainda assim, estrangeira.

Um bom exemplo dessa contradição estão nos pronomes. A maioria dos conjugadores, dicionários, e livros de gramática normativa do Brasil, bem como as salas de aula, ainda ensinam que os pronomes pessoais da nossa língua são: eu, tu, ele, e seus plurais equivalentes. E dizem que tu concorda com verbos da velha declinação que vemos, por vezes, em livros antigos e na Bíblia: tu sabes; tu vês; tu sentes

Essa forma está há muito em desuso no Brasil. Há pelo menos um século, tu foi abandonado na maioria do território, e agora é você. Concorda com o que antes foi a conjugação verbal da terceira pessoa: você sabe; você vê; você sente. Em algumas regiões no Brasil, como no Sul, tu ainda existe, mas também concorda com o verbo na terceira pessoa (um tipo de hibridismo do que aconteceu com você), e.g. tu sabe; tu vê; tu sente

Sendo em desuso, por que livros e escolas ainda se ocupam em falar dessas declinações como se fossem parte da língua? Não apenas isso, mas também se ocupam com outras inúmeras regras antiquadas que já não são faladas no dia a dia?

Eu não consigo me lembrar a última vez que usei, na fala, a ênclise (alegrou-se; deitou-se). Muito menos me lembro de usar mesóclise uma vez sequer na vida! (Fazê-lo-ei, Dizê-lo-ei). Exceto em livros históricos que se passam no Brasil do século XVIII, essas formações são completamente artificiais e estranhas a um falante nativo do português. Regras sobre como e onde aplicar mesóclise e ênclise são inúteis, pois agora a próclise é usada em todas as situações (se alegrou; se deitou).

Escritores se veem forçados a criar um bizarro híbrido entre a língua normativa artificial e a língua falada, pois se encontram em uma situação dual. Ou escrevem algo que o leitor se identifica e entende, e que soa limpo e natural; ou escrevem algo que os esnobes e acadêmicos consideram “português correto.” Na busca de tentar agradar ambos, acabam misturando as línguas. Ou pior: ignoram a gramática falada, e criam uma prosa que, lida em voz alta, soa estranha ao ouvido do falante nativo, com suas ênclises e mesóclises, estranhas conjugações, e outras regras há muito esquecidas.

Outros idiomas não precisam se preocupar com isso. Por exemplo, a língua inglesa não tem uma gramática normativa imposta por uma academia de esnobes e forçada nas escolas, com regras antiquadas e há muito ignoradas pelos falantes. A gramática do inglês, e de muitas outras línguas, é puramente descritiva—suas regras refletem a fala, e mudam conforme a transformação da língua. Livros ingleses de gramática são altamente descritivos. A língua escrita nos livros é a mesma que se fala nas ruas, e, ao ser lida em voz alta, soa bem e natural.

Além disso, os esnobes literários brasileiros demandam uma prosa convoluta, cheia de complexas frases compostas e longas. Dizem que a prosa sem isso é “pobre”, e não melhora o vocabulário de ninguém. Isso faz com que muitos escritores optem por uma linguagem densa e de difícil compreensão, que diminui as chances de um livro ser comercialmente bem-sucedido. Apenas escritores de gêneros mais vendáveis, como autoajuda, escolhem uma língua acessível até mesmo ao mais simplório leitor.

Em comparação, a língua inglesa considera um erro uma frase excessivamente verbosa. A expressão wordiness em inglês define esse erro, que é muitas vezes apontado por corretores gramaticais automáticos em processadores de texto. Frases que podem ser simplificadas devem ser simplificadas na língua inglesa, para maior absorção e leitura mais fácil. Grandes escritores da língua inglesa, como F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway, eram considerados tão bons justamente por sua habilidade em escrever de forma simples. Até mesmo Machado de Assis, no Brasil, escrevia uma prosa simples e direta—algo que desafiava a alta literatura Romântica da época.

Escrever a língua normativa no Brasil, como ela é esperada ser escrita, é tão tolo quanto tentar publicar em Esperanto ou Klingon no Brasil, e julgar que todos os que não sabem essas línguas não-naturais são meros analfabetos. Autores devem escrever de forma clara e simples, a língua falada no país; editores devem promover livros que promovem clareza de pensamento; concursos devem premiar autores que buscam simplicidade; acadêmicos precisam sair de seus escritórios e entender que os antigos e empoeirados livros que eles leem foram escritos com uma língua em processo de morte. Caso contrário, estaremos sempre presos à dualidade: devo escrever/publicar/comprar livros para serem lidos, ou para serem admirados por críticos esnobes sem contato com a realidade?

Brasileiros Não Compram Livros Para Ler

Em países de língua inglesa, há muitos séculos existe a tradição de livros “pulp”, feitos para serem lidos—e apenas lidos. Esses livros são frágeis e mal-feitos, mas, por serem assim, são muito baratos e acessíveis. Com um forte mercado de livros desse tipo, leitores pobres conseguem manter um constante hábito de leitura.

Claramente, esses livros não são apropriados para decorarem prateleiras e bibliotecas pessoais. Após algumas leituras, começam a apodrecer e se desfazer. Seu papel pouco tratado e fino é ideal para traças e baratas. Suas páginas se amarelam rapidamente, e mofo encontra fácil terreno para proliferar nelas.

Mas, nada disso importa, pois são livros feitos para ler, e apenas isso. Também são feitos para vender em abundância e rapidamente.

Suas capas são de papel simples; suas páginas de papel jornal. A lombada é colada apenas, e com uma cola duvidosa. Seus títulos e capas têm grande apelo comercial para que as tiragens rapidamente se esgotem.

Houve no Brasil, há tempos atrás, uma literatura equivalente: os folhetins. Grandes escritores brasileiros, como Machado de Assis, eram autores de folhetins antes de qualquer coisa. Da mesma forma, grandes escritores de língua inglesa e memoráveis personagens nasceram e floresceram em livros pulp e folhetinescos.

Por contraste, livros feitos para prateleiras de bibliotecas devem ter uma encadernação muito mais nobre. Seu papel é grosso e tratado. Sua lombada é colada e costurada com precisão. A capa é dura, e suas ilustrações são acompanhadas de relevos e feitas de forma que a capa mantém sua aparência ao longo de décadas. As capas têm cores chapadas, em tons de couro, o que cria uma bela consistência ao serem agrupados numa biblioteca pessoal.

No Brasil de hoje, com o monopólio do papel e os altíssimos preços de produção, livros de capa dura, feitos para bibliotecas e prateleiras, são extremamente caros. Poucos leitores conseguem se dar ao luxo de tê-los. Ao mesmo tempo, os leitores desprezam livros puramente “pulp”, feitos para serem lidos e descartados, ainda que sejam livros baratos. Dizem que tais livros são uma “grande produção de lixo”—o que é falso, já que papel é facilmente reciclado.

Desprezam esses livros, na verdade, pois são feitos apenas para ler. Como poderão, portanto, os leitores mostrarem aos outros o quão cultos eles são, se não possuem uma cheia prateleira de livros lidos em casa? Pelo mesmo motivo, desprezam livros digitais. Uma biblioteca inteira de centenas de milhares de livros digitais cabe num único CD, ou num pendrive não maior do que um prendedor de roupas. Mas, como podem mostrar aos outros o quão culto são se não possuem uma ampla biblioteca para exibir?

Em parte, isso acontece porque os brasileiros mantêm a crença de que a literatura é uma “alta arte”, apreciada apenas pelos cultos e educados. Assim, ler não é apenas um hábito de entretenimento, mas uma maneira de demonstrar status e superioridade. Ter uma ampla biblioteca significa ser superior à “ralé” do resto do país, que aprecia apenas os programas crassos da Rede Globo, futebol, e as tediosas músicas populares do Brasil.

Livros puramente “pulp” são quase inexistentes no Brasil. Dessa forma, resta apenas aquele hibridismo estranho entre o livro de prestígio material e o livro pulp: um tipo de publicação “paperback” que é barato o bastante para ser acessível—mas muito mais caro do que um pulp—e bonitinho o suficiente para não apodrecer em poucos meses numa prateleira. É o livro feito com capa mole, mas bem impressa, com relevo e cores metálicas; feito com papel grosso o suficiente para ser considerado durável; com lombada colada apenas, que ficaria rapidamente danificada se o livro fosse lido com constância (mas, por sorte, não precisa aguentar mais do que uma única leitura antes de ser esquecido numa estante).

Esse livro é caro, principalmente na economia brasileira. Poucos conseguem comprá-lo com frequência—mas, há compradores mais numerosos do que os prestigiosos livros de capa dura.

Se esse tipo de livro existisse junto com os livros pulp, tudo bem; mas, a maioria das editoras produz apenas o híbrido livro para estantes, e ignora o pulp, sabendo que o público o despreza. O resultado é esperado: temos um mercado literário paupérrimo, onde poucos conseguem gastar R$40,00 para comprar um livreto de 100 páginas em domínio público, quanto menos R$70,00 para um blockbuster em paperback. Na falta de livros baratos, constantes, e acessíveis, muitos perdem o hábito de leitura. Os que leem, o fazem raramente, pois não conseguem comprar vários livros com um único salário. Os mais pobres, que não fazem amplo uso de livros digitais ou sebos, acabam sem ter o que ler.

Pelo menos, os que compram livros têm estantes bonitas para mostrarem o quão “cultos” eles são!

Escolas Estão Presas No Passado

Escolas são grandes promotoras das crenças danosas sobre a literatura. Primeiramente, porque tratam livros como uma forma superiora de transmissão de informação, em detrimento de todas as outras formas. Afinal, por que nas escolas os alunos são obrigados a ler diversos livros “clássicos”, para escreverem relatórios sobre eles, mas não são obrigados a fazer o mesmo para música, cinema, fotografia, ou vídeo games? Por que estudar Machado de Assis na escola, mas não fazer o mesmo com o filme Nosferatu, o jogo The Elder Scrolls III: Morrowind, ou o album White dos Beatles? O que literatura tem de tão especial que música, jogos, e filmes não têm?

Nada! Essa é a verdade. São ambas formas sérias e consolidadas de expressão, entretenimento, e arte. Qualquer uma das mídias pode transmitir grandes obras que influenciam o mundo onde vivemos. Mas, o currículo escolar foi feito antes do cinema, da música popular, e dos vídeo games se tornarem formas de arte sérias e consolidadas. E o currículo se manteve estagnado nos últimos séculos. Essa estagnação ajudou a criar a aura de importância e nobreza na literatura, o que têm causado tanto dano ao mercado literário.

A Academia Brasileira De Letras É Uma Velharia

A Academia Brasileira de Letras ajuda a manter as velhas crenças sobre a literatura. Com o mercado literário brasileiro em pedaços, a academia deveria estar fazendo todos os esforços para entender o problema e resolvê-lo. Ao invés disso, reduzem-se a promover ideias de que a ignorância das pessoas, e seu desinteresse em aprendizado, sejam as verdadeiras causas para a morte do livro.

Até mesmo a ideia de uma “academia de letras” é estranha. Esses escritores são vistos como os grandes ideais do que um escritor deve ser. Ainda assim, a maioria de seus membros não são escritores com grandes tiragens publicadas (ou sequer são escritores). Ela mistura atores, músicos, acadêmicos das humanidades, e autores da “alta literatura” que mal venderam algumas centenas de livros densos e especializados para um público também acadêmico. O único autor considerado blockbuster de fato na academia é Paulo Coelho, que só foi aceito lá depois de muita controvérsia e resistência por ser tão popular, e por usar uma linguagem tão simples e acessível.

Livros Digitais São Caros Demais e Negligenciados

Livros digitais ofereciam a promessa de serem os “novos pulp:” baratos e fáceis de produzir e transmitir. Além de tudo, libertariam as editoras dos monopólios e flutuações de preço do papel. Também removeriam diversos profissionais da pipeline de produção do livro, visto que a diagramação, a tipografia, e outras qualidades visuais do livro são definidos pelo leitor digital, conforme os gostos do leitor, e não pelo livro em si.

Mas, a literatura digital nunca pegou no Brasil. Em parte, por desinteresse do leitor, que vê no livro um objeto de status, para colocar na prateleira, antes de um veículo de palavras colocadas para ler. Também em parte pelas próprias editoras, que por motivos confusos e contraditórios, mantiveram altíssimos preços dos livros digitais apesar do veículo ser, em si, tão barato.

Faltaram a promoção e o interesse do público por leitores digitais de e-ink—algo que sempre foi incrivelmente difícil de encontrar para comprar no Brasil, e impossível de fazer conserto. Também houve o aumento da “frescuragem” dos leitores digitais, que passaram a ter coisas inúteis para a leitura, como touch screen, alta resolução, luz de fundo, suporte para redes sociais, entre outras coisas que aumentaram os custos, sem garantir nenhum benefício para o problema que os aparelhos se propõe a resolver.

Por muitos anos, apenas os leitores digitais da Kobo e da Amazon eram disponíveis no Brasil. Não houve nenhuma iniciativa do país, privada ou pública, para criar um leitor digital nacional, barato, acessível, com bom suporte para livros em formatos open source como EPUB. De fato, muitos brasileiros ainda nem sabem o que são livros digitais exatamente, nem sabem a diferença entre EPUB e PDF.

Hoje, livros digitais são tão caros quanto livros impressos, apesar de não serem afetados pelo papel. Ainda são minoria nas vendas, mesmo sendo tão mais acessíveis. O leitor médio diz que o livro digital não tem o “cheiro” ou o “toque” necessários para a experiência—expressões que apenas denunciam o fetichismo brasileiro com a dimensão material do livro, em detrimento do acesso ao conteúdo.

Argumentar a favor do livro impresso no Brasil é como defender que música deve ser vendida em LPs de vinil, pois a música digital, apesar de tão mais barata e acessível, não têm as mesmas “sensações tangíveis.” É como dizer que filmes ainda precisam ser transmitidos em VHS para a “experiência legítima.” É absurdo!

Conclusões e Soluções

Se nada for feito na literatura brasileira, ela vai morrer: livros vão se tornar cada vez mais caros e inacessíveis, e o hábito de leitura vai ser esquecido pelas pessoas. O mercado editorial vai continuar encolhendo, até que seja praticamente uma sombra do que um dia foi—algo acessado apenas por uma elite antiquada, disposta (e capaz) de desembolsar pequenas fortunas por palavras impressas numa capa medíocre.

A Academia Brasileira de Letras, o Ministério da Educação, e muitas outras instituições que deveriam se preocupar com o assunto estão “deitadas eternamente em berço esplêndido”, promovendo crenças venenosas que estão aos poucos matando o mercado literário. As escolas, com seus currículos antiquados, supervalorizam o livro em detrimento a outras artes, e acabam criando a impressão que livros são altamente especiais e nobres, acima das outras artes. As pessoas promovem crenças que criam expectativas altas e irreais sobre escritores e editores, que podem ser publicados apenas se forem grandes gênios da linguagem.

Ao mesmo tempo, coaches, charlatões, e ideólogos toscos são promovidos ao serem publicados—ainda que seus livros não valham o papel onde são impressos. Isso porque, conforme a crença da supervalorização literária, “se algo é publicado no papel, deve ser importante!”

O fetichismo do brasileiro com o livro de papel para colocar na estante é uma das mais nefastas práticas que matam a literatura. Por causa dela, o livro “pulp” é sequer lembrado, e o livro digital, que é muito mais acessível, barato, e prático do que livros físicos, permanece ignorado. As editoras também perderam a oportunidade de promover esse veículo e se libertarem dos monopólios das empresas de papel.

Concursos literários insistem em promover livros densos, conturbados, excessivamente esnobes e filosóficos, como “alta literatura”, enquanto livros de entretenimento são relegados a uma sub-classe literária que tanto leitor quanto editor e autor vêem com desprezo. O escritor se vê obrigado a escolher entre ter prestígio ou vender—mas nunca os dois. No fim das contas, acaba fazendo nenhum, pois, para ter prestígio, é preciso se relegar a um nível de escrita tão densa, gramaticalmente antiquada, e academicista, que a literatura acaba se transformando num ritual de masturbação neural coletiva.

Como se não bastasse, ainda temos que lidar com essas duas línguas concorrentes no Brasil—a língua falada e a língua normativa, que são não apenas diferentes, mas, muitas vezes, incompatíveis. Ou escrevemos de maneira natural, ou gramaticalmente correta; ou, criamos um hibridismo bizarro entre as duas, e acabamos falhando em ambas.

Todos do processo editorial são culpados pelo atual estado do mercado literário: autores, editores, promotores de eventos literários, vendedores de aparelhos de leitura digital, educadores, acadêmicos da literatura, linguistas e especialistas em gramática, professores e escolas, secretários e ministros da educação, e até mesmo legisladores que falham em compreender a necessidade de livros baratos e acessíveis, e a necessidade de promover uma educação inclusiva e legítima ao dia a dia do estudante.

Por último, temos o leitor como culpado—o leitor e seu inexplicável fetiche por livros tácteis e cheirosos, mas que são caros e de difícil acesso. Tudo porque o leitor prioriza o status que o livro dá, e os ares de intelectual que ele promove, ao invés do conteúdo que ele transmite. Livros vendidos como um acessório de status claramente não são livros feitos para uma leitura descartável, o que ajuda o leitor a ler pouco e de forma infrequente. Além de tudo, com os altos custos do livro feito para atender à demanda material, o leitor precisa ser muito mais seletivo com suas compras, e acaba temendo gastar dinheiro com livros que não estejam completamente consolidados como sendo livros de “alto valor.”

Para salvar a literatura brasileira, tudo isso precisa mudar o mais rápido possível.

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